domingo, 31 de janeiro de 2010

Pequenas Traições




Traições machucam, perturbam a paz e a segurança, marcam. Todos já foram ou serão traídos em algum momento, todos já traíram ou trairão algum dia. Quando falo em traição, não restrinjo o conceito ao fato ocorrido em uma relação homem-mulher, em que uma das partes se envolve com um terceiro amorosa e/ou sexualmente. Me, refiro a todo e qualquer tipo de traição, entre amigos, entre irmãos, entre colegas de trabalho, ou seja, em qualquer relação em que haja maior ou menor demanda de confiança entre duas ou mais pessoa.
Existe, particularmente, um tipo de traição que eu chamo de pequena traição por, a princípio, parecer de pequena amplitude. Mas, na verdade, tal traição, dada sua aparência de mal menor, é insidiosa (sem querer incorrer em pleonasmos).
É aquela traição que vai minando a auto-confiança da vítima, que muita das vezes não consegue se aperceber com clareza da intenção do traidor. Não nota o traído a atitude do seu algoz, se percebe não consegue visualizá-la como traição de pronto, não compreende as razões e, não raro, atribui a vítima a si própria a responsabilidade pelo que ocorre.
Pequenas traições envolvem desamor, menosprezo, egoísmo, abusos (bullying), desrespeito. E, sim, seres imperfeitos que somos, quase nunca conseguimos nos dar conta quando nós mesmos somos os agentes das pequenas traições.
Um exemplo típico de pequena traição é aquela praticada dentro das nossas famílias ou em relacionamentos amorosos. Traição de expectativas. Quando confiamos tanto no amor do ente querido e somos surpreendidos por uma avalanche de palavras e atos que nos fazem sentir pequenos. Logo, tudo é consertado com uma conversa. Fica-se bem. Mas, a situação se repete, se repete. É como se o outro não conseguisse enxergar a importância que atribuímos às idéias que este tem sobre a gente, a necessidade de reconhecimento por aqueles que amamos, e aí, solapando “gentilmente” nosso ego, nos transforma finalmente naquilo que acredita que sejamos. Só a muito custo consegue o indivíduo se libertar de tal situação. É preciso uma força gigantesca.
É difícil sobreviver e superar pequenas traições. Primeiro porque quando a pessoa traída se dá conta, a situação já é grave – via de regra, a auto-estima já está bastante deteriorada – tendo em vista que referidas traições, por sua dimensão, como já dito, não são de plano notadas, são, em seu princípio, facilmente perdoadas e esquecidas. Segundo porque o mal dosado e distribuído ao longo de um tempo considerável, tornam as perdas muitas vezes irreversíveis.
Uma boa metáfora para a situação seria a da pessoa que quer emagrecer e não engordar mais. Qual é a indicação? Poucos quilos perdidos vagarosamente, mas constantemente. A demora aliada a constância, acabam por tornar o emagrecimento irreversível no mais das vezes, porque o corpo se acostuma à nova situação, sem se dar conta de que está definhando. Assim funcionam as pequenas traições.
Pequenas traições começam cedo. Quando nossos pais nos colocam na piscina para nos ensinar a nadar e, a uma distância segura, nos pedem para irmos do ponto que estamos até eles, e vão se afastando se afastando. Quando nos prometem uma recompensa ou mesmo uma penalidade, e estas não são efetivadas – isso gera indivíduos confusos em relações a regras e depois reclama-se da falta de auto-controle, e de obediência e respeito dos jovens. Quando nos dizem que somos a criança “mais linda do mundo” e um belo dia nos damos conta de que o(a) coleguinha é que foi o(a) escolhido(a) para representar a turma no quesito estética – esse é um exemplo bobo, mas particularmente pra meninas pode gerar transtornos de auto-imagem (que não raro levam à desordens como anorexia, bulimia, depressão), porque não estimuladas a se reconhecerem únicas em sua beleza.
Pequenas traições são recorrentes em diversas fases da vida. Na adolescência, quando os amigos te excluem de um evento porque acham que você não faz parte do grupo fechado a que alguns pertencem, ou que você não é tão cool pra estar entre os íntimos. Quando seu (sua) melhor amigo(a) te alfineta, porque precisa disso pra se sentir melhor. Quando seu (sua) irmã(o) entrega o segredo compartilhado para barganhar algo junto aos pais. Em qualquer momento do nosso desenvolvimento quando “a família” se reúne sem a nossa presença, pra debater nossos “problemas de comportamento” ou qualquer coisa do gênero, sem nossa participação, nos julgando incapazes de opinar em relação a nossa própria vida.
Pequenas traições fazem parte dos relacionamentos amorosos. Quando o outro por insegurança quer nos infligir culpa, apontando defeitos e contradições (que são inerentes a qualquer ser humano); quando não são honestos em relação a ideias e sentimentos e, ainda por cima, se irritam porque não somos capazes de adivinhar o que se passa. Quando prometem o que sabem não ser possível cumprir, alimentando ilusões.
Pequenas traições são costumeiras no ambiente de trabalho, onde a competitividade aflora, e onde as regras que ditam que pessoas bem sucedidas são as que sabem trabalhar em grupo, ignoram o fato de que para tanto forja-se uma situação ideal de colaboração que raramente existe. No trabalho co-dependente haverá, no mais das vezes, traidores e traídos. Os parasitas que se alimentam da inteligência, disposição e boa índole de alguns. Pequenas traições no trabalho são as mais cínicas, as mais desembaraçadas. Isso porque, diferentemente do que ocorre na família e em relacionamentos amorosos, quase nunca existe o contraponto do afeto.
Grandes traições se tornaram história: Judas e Jesus Cristo, Brutus e César, Joaquim Silvério dos Reis e Tiradentes, Dalila e Sansão, e outras tantas. Mas, pouco se comenta acerca das pequenas traições, deletérias, que matam o indivíduo em vida, que não extinguem o corpo físico, mas a alma.
Assim, pequenas traições são releváveis, mas recorrentes podem deixar marcas indeléveis. Compaixão, tolerância, compreensão são elementos importantes de toda e qualquer relação honesta. A intenção de ajudar, o amor sincero, são antídotos poderosos à dor e destruição que somos capazes de causar uns aos outros quando opinamos ou realizamos qualquer forma de julgamento sobre a conduta, a aparência e a inteligência alheia; quando criamos expectativas e as frustramos. Ter a exata noção da importância e do impacto que temos sobre os nossos pares talvez nos torne mais vigilantes em relação àquilo que dizemos e fazemos. Amor próprio incondicional, nos protege daquilo que nos dizem e fazem
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2 comentários:

Anônimo disse...

é um post mto triste, mas verdadeiro... infelizmente a traição começa às vezes de um ponta de ciúmes e inveja, e quem sofre este tipo de ação nao percebe a tempo de ficar longe....

estou conhecendo seu blog agora.... bjs

Maria disse...

O problema pode ser maior, quando a pessoa a trair é alguém que amamos, alguém da nossa família, como nossos pais ou irmão, porque daí não dá pra ficar longe... nesse caso, eu acho, que só muita certeza de quem somos, estabelecimento de limites e capacidade de perdoar é que podem evitar os efeitos nefastos de uma traição...grande ou pequena.

Seja bem vinda!